13 outubro 2010

Alice


             Havia nela os mesmos cachos sedosos, os lábios de veludo e a pele alva que aparecia na televisão e nas descrições dos livros. Os olhos eram cor de mel como um paraíso desconhecido e curiosos quanto a de uma criança recém nascida. Usava um vestido azul e adornado de branco, bem como uma tiara preta que destacava as ondas de seus cabelos. Possuía estatura mediana, e, ao contrário de sua adorada, não era uma menina de contos fantasiosos... era Alice no País Sem Maravilhas.

             Aos seus 18 anos já tinha provado tudo quanto era e bom e ruim que um ser humano possa experimentar. Falsidade, façanha e covinha no rosto com sinceridade. Absorveu o mar e as nuvens, assim como a solidão e a companhia, o silêncio e as palavras ignóbeis. Ainda havia em sua face algo de infantil, talvez a serenidade e esperança que denotavam a fragilidade do seu corpo e mente. Apesar de teimosa, era tão doce quanto maçãs recolhidas ao final do outono. Era livre e destemida. Em meio a tanta escuridão, surgia a figura da belíssima jovem para animar os surdos e os mudos, os cegos e os que não queria ver. Arrancava facilmente sorrisos de seus observadores, acariciava os animais durante o dia e descansava na pequenez de sua choupana nas madrugadas de inverno. Levava uma vida tranqüila, pacífica. Vivia, não era mais uma sobrevivente da massificação da estupidez ou dos dogmas corrompidos; era apenas ela, nada mais.
           Eis que certa vez encontrou-se sozinha em meio a mata virgem e exaltou a sua beleza natural como raramente fazemos com a natureza, contudo, nada via além da colossal lua que procurava seguir em cada passo para não perder-se. Pena que os boatos daquele lugar não eram agradáveis. Diziam que os que ali pisassem durante a parte sombria das semanas seriam esquecidos e dados como mortos, visto que o retorno era impossível. Titubeou uma ou duas vezes a menina, que com seus delicados pezinhos sentiu na terra elevações de caráter não identificado por seus encurtados conhecimentos, e assustou-se. Mortificada pelo medo, de dois passos para trás e encontrou-se com um velho cipreste. Sua respiração era ofegante e suas mãos úmidas, quando, como que por mágica, avistou sua velha cabana iluminada por vaga-lumes dançantes que expunham coreografias magníficas que encantaram a moça.
           Aos passos largos, apressada e ansiosa, ela entrou na cabana, no entanto não se sentiu dentro dela. Desta vez estava em um campo florido, coberto por violetas, orquídeas e demais plantas que exalavam os mais agradáveis odores já sentidos pelo homem. Logo era dia e ela viu-se em frente a um grande lago, onde os raios do sol refletiam a água cristalina provocando efeitos magníficos e formas indescritíveis, verdadeiro júbilo para sua visão. Por um momento ela esqueceu do seu passado tempestuoso, dos pormenores que a faziam lamentar a se e de sua condição. Era a plenitude da paz que a convidava para bailar sobre as águas e fazer de seus dias, dias completos.
         A manhã esvaiu-se, a tarde do mesmo modo, dando lugar a madrugada que já findava. Alguns camponeses que diariamente passavam pela cabana e ofereciam a ela leite e pão, não contiveram a curiosidade e adentraram a cabana depois de sucessivas batidas não respondidas na porta. Lá, como se há dias dormisse, estava a jovem Alice, sem o rubor das bochechas e o olhar costumeiro. Foi então que todos compreenderam e o dia amanheceu plácido: ela havia encontrado seu país de maravilhas.

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