03 março 2013

O Observa Dor


O som que se escuta é de música clássica. O cheiro que se sente é de podridão com mofo e algo mais. Ele desliza lentamente a lâmina da faca pela pele já amarelada e ressecada de sua vítima. Corta com cuidado, e se deleita com o poder que tinha naquele momento, é quase prazer, excitação, mas também calmaria. O corte tem precisão cirúrgica, o sangue não escorre mais, já não se escutam gritos de socorro ou pedidos de piedade. Ele detestava isso. Para que a esperança quando o fim bate na sua cara? Também não existem movimentos, embora alguns espasmos surgissem de vez em quando. "A perfeita vítima", pensou. Um cadáver.

O Começo do Mal

John nasceu em uma cidade do interior. Sua casa, assim como muitas outras, não possuía um pai, nunca o conheceu mas poderia jurar que tinha sua aparência de hoje. John era apenas um erro. E assim como todos os erros, seu pai o enterrou em baixo de uma camada de mentiras e fingiu que ele nunca existiu. John já nasceu um assassino, ou era isso que imaginava, pois no dia de seu nascimento foi o dia que sua mãe começou a morrer. Não foi rápido. Durou 6 anos.

Após o nascimento sua mãe tentou desesperadamente que seu amante a ajudasse, que ficasse com ela e realizasse aquelas promessas de amor. Nunca aconteceu. E com o nascimento do filho indesejado, ele a desprezou como fel amargo, cuspiu seu ódio na cara dela e a acusou de manipuladora, que o filho havia sido algum plano dela, e a expulsou com o xingamento mais comum destinado a todas as mulheres, "vadia". 

Ela pensou em abortar, mas o tempo passou e não fez sua escolha, no fim era tarde demais. Não sentia o bebe, nem emocionalmente. E conforme seu bebe nascia e sua barriga aumentava, sua alma diminuía, como se aquele corpo só pudesse abrigar uma vida.  Sem a ajuda de seu amante ela não tinha como sobreviver, e fez o que sempre fizera desde os 12 anos, vendeu seu corpo, que nunca foi dela. 

John foi o nome que escolheu para seu filho no dia do nascimento. Na verdade não era para o seu filho aquele nome, mas quando o médico perguntou "Que nome gostaria de dar ao seu filho?". Ela respondeu a unica palavra que povoava sua mente há muito tempo "John", o nome do seu amante, do seu salvador e após isso, seu algoz.

Foi uma mãe ausente. Nem sequer lembrava que possuía um bebê na sua casa, não escutava o choro incessante vindo do berço, que continuava até que as vizinhas aparecessem e o alimentassem. John viveu na sujeira boa parte da sua vida. No começo sua mãe chegava a trocar suas fraldas, mantinha a casa com uma certa organização, mas aos poucos foi perdendo a força até que ela se esqueceu que possuía um filho. Mas John não esqueceu que tinha uma mãe. Depois que notou, ainda pequeno, que lágrimas e berros eram inúteis, passou a agir. Comia o que encontrava, limpava como podia e as vezes até recebia ajuda das vizinhas ou dos vários 'pais' que entravam em sua casa a cada noite.

Todo o dia John abraçava sua mãe e pedia por carinho ou comida. Ela o ignorava, dava alguns trocados em sua mão e dizia para ele comprar um doce. John detesta doces desde então.

Dizem que existe dois tipos de pessoas, os observadores, que apenas observam a vida, como uma narradora que conta uma história, sem participar dela. São os mais quietos, não fazem questão de chamar atenção. E os protagonistas, aqueles que agem, aqueles que vivem, que realizam aventuras e descobertas, que não tem medo do desconhecido, que possuem um brilho diferente de excitação no olhar. John era um observador, vou lhes contar o porque: 

Foi ele que viu sua mãe definhar dia após dia, viu a força deixar o corpo daquela mulher que um dia havia sido forte, viu seu corpo ceder ao emocional e adoecer com ela. E podia quase jurar que conseguiu ver quando a vida de sua mãe a deixou totalmente. Foi a unica vez que ela o abraçara, mas quando olhou o rosto pequeno de seu filho algo nela se foi, como algo que começa devagar e de repente acaba repentinamente, um soco dolorido. John havia despertado nela lembranças que mantinha enterradas para que pudesse acordar de manhã e viver o dia. John lembrava seu amante. Desde aquele momento, o pequeno menino percebeu a mudança no olhar da mãe, como se uma sombra se apoderasse dos belos olhos azuis que ela possuía e uma névoa surgisse apagando o brilho da vida. Mas ela continuava de pé, seu coração ainda batia. Demorou alguns anos para que seu corpo acompanhasse o destino de sua alma. A morte.

Continua...

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