13 maio 2011

Nostalgia

    Ontem eu vi uma menina. Franja nos olhos, cabelos desalinhados e presos por um elástico se rompendo. Olhar confuso mas se você olhasse bem podia enxergar uma certa alegria querendo vir a tona. Parecia contida em seus movimentos, mas alerta em seus pensamentos, uma adulta em um corpo minúsculo de criança implorando por uma atenção que pouco recebia. Parecia aceitar sua invisibilidade e conversava consigo mesma, tentando em vão fazer amizade com a unica pessoa que ainda tinha, ela mesma, sem sucesso. 
   Tinha marcas pelas pernas, algumas roxas, outras feridas de picadas de mosquitos não saradas, no momento ela tentava tirar a casquinha que cicatrizava uma ferida que creio que ela mesmo provocara, o sangue começou a brotar e ela sorriu ao ver a vida lhe escorrer, gostava de esperar até que o sangue lhe escorresse, então corria em busca de papel higiênico para estancar a pequena ferida, só para que depois pudesse arrancá-la de novo. Por isso suas cicatrizes, até as mais pequenas, nunca cicatrizavam, ou viravam manchas escuras contrastando com a pele excessivamente branca de quem provavelmente nunca brinca ao sol. 
    Meus olhos são atraídos para suas roupas de menino com um leve toque feminino, odiava qualquer coisa que tivesse etiqueta ou costuras demais, "pinicava", também parecia se vestir por conta própria, tentando ser auto-suficiente aos seus 9 anos de idade. Ela me vê, dá um sorriso tímido e desvia o olhar, fixando para o chão ao seu redor, parecia adorar fazer isso, olhar para baixo, nunca concentrava seu olhar por mais de alguns segundos em algo que não fosse seus pés. Percebi seu rosto ficar vermelho e ela abaixou a cabeça nesse instante que percebeu o fogo nas faces, odiava quando sua timidez vinha tão descaradamente assim. Foi quando eu vi aonde estavam as outras crianças, elas brincavam no meio da praça, gritavam com suas vozes finas e não se importavam ao cair. Percebi que a menina desconhecida era a unica criança sentada com os adultos. Senti vontade de chamá-la para brincar, mas eu não sei brincar e provavelmente ficaríamos as duas em silêncio até o momento de partir. Eu sabia porque ela não brincava, não gostava de multidões ou crianças berrando ao lado dela, antes haviam jogado a areia do chão nos seus olhos e cabelos, pode ter sido nesse momento que tenha desistido, ou bem antes. Ela teve problemas com a areia nos olhos por duas semanas porque sonhava que ficava cega e morria em um deserto sozinha. Ela não queria mais brincar, porque se caísse, ela não levantaria, nunca levantava, ficava observando a terra e os joelhos ralados até que se lembrava que devia chorar e correr para sua mãe, ou se esconder do seu pai, ele não admitia que ela se machucasse ou corresse naquela velocidade, meninas não fazem isso, e crianças devem permanecer o maior tempo possível sentadas em um canto concentradas em sei lá o que.
    Imagino como deve ser sua casa, entre os momentos alegres e rápidos, as brigas e os tapas. Um dia perguntou para uma amiga: _Qual foi a ultima vez que seu pai te bateu? _Ele só me bateu umas duas vezes, e faz tempo, e você? Ela não respondeu a pergunta, havia apanhado naquele dia, e nos outros também, não queria admitir que era uma criança ruim. Foi em meio aos meus pensamentos sobre a garotinha que a observei que ela vinha vagarosamente em minha direção, não gosto de crianças, então movimentei meus olhos para outra direção, quando voltei a olhar para frente percebi que a menina havia desaparecido, fiquei com medo de nunca mais vê-la, e supliquei mentalmente pela sua volta, foi quando eu vi ela caída, no chão de pedras, ainda a me observar, ela pediu ajuda com os olhos castanhos, e eu nada fiz, fiquei absorvida em meus pensamentos e a abandonei como todos os outros. Quando pisquei os olhos percebi o que realmente havia acontecido. Nas minhas mãos jazia uma foto de quando eu tinha uns 9 anos, chocada percebi, tarde demais, ela era eu.

    E eu não pude me salvar.


4 comentários:

  1. mas bah yasmin, cada vez melhor estes teus textos.
    meus sinceros parabéns. e por te conhecer tanto assim, consigo até sentir na pele tudo que tu escreves.
    te cuida lindona, tenho um carinho imenso por ti!

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  2. Obg Gui *-* Tbm tenho um carinho enorme por vc ;$

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