11 março 2011

Ensaiando o fim

    Ensaiava, passivamente, a queda final. Vislumbrava o que poderia ser o fim, doce e simples. Pouco sabia que nenhum fim é simples e o gosto é mais amargo do que se pensa. Quantas vezes já morrera? Não lembrava, não queria se lembrar, a vida esquecida é melhor que uma vida de lembranças. Idealizava o fim definitivo, queria que fosse como os livros que lia, trágico mas indolor, era da dor que tanto temia. Tragédias são belos espetáculos quando se observa, de fora. A sociedade humana admira o sofrimento e se diverte intimamente com ele. Sangue e ilusões alimentam mias que sorrisos e momentos inócuos. Mas para quem vivencia a tragédia, como dói, a beleza se esvai e os tons de cinza prevalecem, nada é tão bonito de perto, mesmo o azul do oceano escondem monstros horríveis na sua profundidade. As pessoas também são assim, escondem de si mesmas seus monstros e vestem a capa translúcida da razão clichê, da normalidade, enquanto por dentro seus monstros esperam ansiosos para virem a tona, e muitas vezes eles conseguem, surgem assim os considerados loucos demais para a vida sem gosto da normalidade, internem os diferentes em clínicas psiquiátricas, criam-se nomes para os medos e sentimentos e a junção delas, bem, vira doença.
    Que se afoguem os loucos em remédios e vida reclusa, deixe que dancem com seus demônios e fantasmas na sua solidão mórbida. Quem se importa com o que é escondido entre quatro paredes? Deixem os loucos com as suas loucuras sóbrias e vamos nos deleitar enquanto nos resta alguns pingos de normalidade, porque eles passarão meu bem, e no final quem nos acompanhará será apenas a amarga loucura, é ela que fica quando tudo se vai, a esperança não é a ultima que morre, é a loucura.
     No fim, você também será julgado como louco , insano e anti-social, como eu. Estarei aqui a sua espera e quando chegar direi em sussurro "bem-vindo a escuridão, boa estadia, aproveite a loucura e a solidão querido" . Então você verá como é duro ser julgado por quem pouco se importa ou pouco entende, virará o espetáculo da tragédia e não o espectador julgador da platéia. Saberá o que é estar desconfortável e como é difícil a conclusão de que é impossível despir-se de si mesmo.

     Bem-vindo à escuridão.


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